quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Palavra poder para o povo. Não para esse!

A luz que brilha no Sarau da Ademar reflete resistência...

Dois anos de Sarau da Ademar. Festa dos versos. Uma semana de comemorações. Cidade Ademar é o destino. Saímos do Campo Limpo e a distância percorrida bateu hora e meia em dois busos.

Tiramos de letra. Dia 12 de setembro, domingão! No tardar das 17 horas aportamos na quadra poliesportiva situada na rua Druval Pinto Ferreira s/n, esquina da rua Anália Maria de Jesus, na altura do nº 3144 da avenida Cupecê.

Usando o espaço como sede, pela segunda vez, o Sarau da Ademar esteve abrigado anteriormente em dois bares. Em fincar duradoura raiz, agora batalha este solo.

Árdua batalha! Por se tratar de local público, compreensão deveria haver. Idas e vindas para conversar com o subprefeito e atendidas pelo Chefe de Gabinete. Canseira.

Por ignorar sentimentos e anseios alheios, o chefe não doutora nada.

No sarau de agosto, o esculápio liberou cadeiras e mesas e um eletricista que só foi chegar à noite, depois de insistentes chamados.

A luz foi puxada de um ponto em frente, de uma Ong - casa de terceira idade - que não avisada culpou o evento pelo gato feito.

Ontem, por ocasião do 2º aniversário, o homem do gabinete deu costas aos apelos e ratificou o costumeiro “se virem”. Na cabeça dele deve passar: “Cultura? Sarau? Pra que ler, pra que livros? Que pedantismo desse povo!”

O fato é que a dita quadra poliesportiva está um caco. Sem banheiros, invadida! Paredes e teto com reboco queimado. Largada. O gradil tombado.

A cobertura, telhas de zinco, já com diversos pequenos buracos. Duas traves limitam o piso liso em evidente desgaste.

Os meninos do entorno ali praticam eventuais peladas. Não há nada em termos de conservação que caracterize qualquer preocupação do administrador municipal. Muito pelo contrário.

Aliás, toda aquela faixa de área pública que segue no arredor da quadra também está abandonada. Um desmazelo completo.

Quem tem cor age. Coragem dessas meninas. Apesar dos contras, mãos à obra. E retiraram vários sacos de lixos. Não havendo encanamento, o jeito foi trazer água e desinfetante pra fazer a limpeza.

Os poetas foram chegando vindos dos extremos de São Paulo. A alegria do encontro, diante do visto, ganhou força.

A princípio, faróis de dois carros garantiram iluminação. Depois, uma vizinha de boa vontade permitiu extensão de cem metros com bico pra lâmpada e som.

Misto de indignação e revolta. Tudo que o Sarau da Ademar quer é cuidar do local. Não está pedindo dinheiro, nem favor, nem doação. É a comunidade querendo preservar e conquistar o que lhe é de direito.

Memorize! Olha a humildade. Vejam a foto descrita acima. Por falta de espaço condizente, a poesia da Ademar cava e cava. Por falta de uma Casa de Cultura, mas pra que uma Casa de Cultura?

- Esses caras são gozado. Ora! Uma Casa de Cultura!

- Ei! É preciso tomar cuidado. Esse povo da poesia trafica palavra e otimismo.

Qual o quê, cadê ouvidos que escutem e viabilizem o projeto desse coletivo?

Tudo que o Sarau da Ademar quer é fazer cultura. Abrir espaço para quem quiser comungar a palavra, o verso, sua arte, criar uma biblioteca comunitária.

Mas, como resposta, obtém da administração, o vazio. Além de cabide de emprego, pra que serve a subprefeitura da Cidade Ademar e outras tantas empalhadas em Sampa?

O pedido foi: mesa, cadeiras, banheiro químico, iluminação. Para esses quesitos disseram não ter verba. E isso precisa comprar? A prefeitura tem isso a rodo, desocupado.

O que falta é boa vontade. Não arranjaram nenhum. Que seja! Ao menos um ou outro. Mas, não! É NENHUM QUESITO! Me perdoem, mas vão ensacar fumaça.

Não se enganem. Atitudes mesquinhas como essa, não irão arrefecer o ânimo da poesia em movimento.

O Sarau da Ademar, mesmo na penumbra, irradiou luminosidade. A essência do seu perfume é ação e atende por nome carinho. O comando, em sua maioria, é de mulheres manifestas.

Todos os convidados permaneceram fiéis à causa. O escritor Sacolinha emanando letras dos dois novos livros em lançamento.

Chegou o povo da Brasa e uma pá de gente. Carlinhos, Augusto, Otilia... estudantes de jornalismo gravando, fazendo matéria.

O Espírito de Zumbi fechou a roda. A dança, o canto, o folclore, sonhos que nos une.

O recheio somos nós, todos anônimos. E uma coisa é certa: quem lá chegar é bem chegado e o coração não se ausenta mais.

Com os poetas da periferia não tem tempo ruim. Improvisa-se até o ambulante. E a cerveja, o refrigerante, o churrasquinho, e o salgadinho, acompanharam duas horas do recital.

Da Lids, com seu arco e flechas empunhado, me chegou e-mail cheio de reflexão:

“Sabe, ontem, depois que o Espírito de Zumbi foi-se embora, começamos a desmontar, carregar, enrolar todos aqueles fios, levar lá na casa daquela minha amiga.

Quando terminamos sentei, e um pensamento invadiu minha mente com tristeza.


Me senti aflita, pensando. Termos que ter na manga um plano B, um plano C, mas não podia ter acontecido de várias pessoas ficarem esperando ligar luz, esperando o Sarau começar.


Tem horário, divulgamos isso. Me senti imatura, como se nunca tivesse feito Sarau na minha vida.


Sentada, continuei refletindo: A gente é realmente loka. Sem a mínima estrutura. Não temos microfone, um local seguro para fazer nada, nada mesmo.

Somente a vontade de fazer acontecer, doa a quem doer. E dói em nós.


Hoje, com certeza, estamos todas cansadas, quebradas, mas apesar dos pormenores, foi uma tarde/noite maravilhosa. Cada sorriso sincero, cada abraço, cada verso declamado...


Da luta eu não me retiroooooooooo!!!!!


Palavra, poder para o povo.”


Marco Pezão


Os Poetas comentaram:

Camila Caetano (Sarau da Ademar):

“Em relação ao sarau, são dois anos de resistência, de luta, de força, de lágrimas, mas de muita alegria. É prazeroso fazer parte desse movimento, pra gente: de periferia para periferia.

Em relação ao apoio, por vezes fomos solicitar na subprefeitura e já que pagamos todos os impostos porque não temos retorno? Nos somos voluntários desse trabalho. Não pedimos nada para nós. É pra cultura.

Fazemos com o coração, na paixão, por amor. Não queremos nada pra gente. Queremos levar para as pessoas um pouco mais de educação, de sensibilidade. Ampliar o horizonte das crianças da comunidade. Criar oportunidades.

E não temos retorno nenhum. De prefeitura ou de governo. Somos ignoradas a todo instante. Hoje aqui sem luz estamos festejando o Sarau da Ademar e por isso são dois anos de resistência.

Tudo o que fazemos tiramos do nosso bolso, do coletivo”.


Vagner (Poesia na Brasa):

“Hoje aqui no Sarau da Ademar, completando dois anos. E essa postura da subprefeitura de não cumprir com a palavra dela, de mandar luz, de mandar os banheiros. Isso mostra mais uma vez que os caras não querem que a gente faça o que estamos fazendo.

Porque é a primeira vez na história que o pessoal de São Paulo se movimenta por si só. E tão se juntando: norte, sul, leste, oeste. Isso assusta um pouco. A gente tá fazendo poesia, livro, sem perguntar pra ninguém como é que faz e sem pedir autorização.

Acho que os caras não querem que a gente faça. A literatura nunca esteve na nossa mão. Os caras escrevem sobre nós, mas, nós mesmos, nunca. Com exceção de uns poucos, Carolina, Solano Trindade. O movimento da poesia tá num crescendo, tamos questionando geral, e isso assusta um pouco quem está no poder.

Essa conduta de hoje é uma forma de fazer a gente parar. Mas com adversidades a gente está acostumado e não vamos parar por causa disso. A gente sai daqui mais forte. O Sarau da Ademar é coirmã. É tudo periferia. Zona norte ou zona sul dá na mesma. Tamo junto!”

Lígia (Sarau da Ademar):

“Indignação. Frustração. Porque? A gente se vê atrelado. Eles nos prendem. Eles dizem: Vocês não podem pensar. Pessoas que pensam dão trabalho.

A gente não vai dividir conhecimento com vocês. Conhecimento é pra aristocracia. Vocês não podem querer poesia.


Você só tem direito a ônibus lotado. Esgoto a céu aberto. O fedor do pobre.

O pobre tem que viver assim. Lugar limpo e cheiroso só pra burguesia. Pra nós só resto.

Se a gente evoluir quem vai limpar a privada e o chão sujo onde eles pisam?

Valeu Sarau da Ademar pela resistência. Valeu pela fortaleza. A gente vai dar muito trabalho.”

Lids (Sarau da Ademar):

“Então, por um lado eu penso que a gente é doida mesmo. Por outro, cada vez mais entendo como essa coisa da poesia pegou a gente, pegou o coletivo do sarau da Ademar. Porque aos trancos e barrancos a gente dá um jeito e faz com luz, sem luz, com tudo isso.

A princípio a gente ficava mercê do dono do boteco. Então a gente não tinha liberdade para agir.


Agora existe essa quadra que é pública. E, se é pública, super entendo que ela é nossa e pertence à comunidade. E nós somos a comunidade.


A gente fica chateada pra caramba porque não existe apoio. Não existe nada.Tem tanta gente fazendo maldade e outras coisas.


A gente faz sem fins lucrativos. Apenas pelo prazer da poesia. Da literatura. De incentivar a leitura, a escrita. Da amizade. De encontrar novos amigos. De comungar a palavra.


É complicado. É luta. É trabalho de formiguinha, mas no final é satisfatório pra nós. Estamos com o sarau faz dois anos e vamos engatinhando, nem caminhando ainda, porque a gente não conseguiu um local fixo.


Ocupamos essa quadra e daqui a gente não sai. Com luz ou sem luz, apoio ou sem apoio, a gente não sai.


Tive a idéia de mobilizar outros coletivos que também estão nessa luta por espaço pra fazer um ato em frente à subprefeitura.


Hoje nós entendemos que temos força e não vamos desistir. Se a intenção deles é essa, então que nos aguardem”.

Camila Milani (Cooperifa):

Realmente é uma grande alegria porque são dois anos de resistência. E a gente aprendeu com a vida que a poesia salva. Que a cultura salva e se existe algum caminho, esse caminho é a cultura e a poesia. É o abrir de novos horizontes, o despertar.

Essa indignação é porque a gente só pode contar com nos mesmos, além de amigos. A gente ocupou o espaço. Pediu autorização. Fomos na subprefeitura e tivemos apoio e ficou tudo acertado pra gente fazer a festa hoje. Na última hora disseram que não tinha verba pra trazer as cadeiras, as mesas, o banheiro químico, a iluminação.

Mas graças a Deus existe vontade, a fé que move montanhas. E a gente chama povo de longe. É de Suzano, da zona norte, da leste, da sul, tá todo mundo aqui na maior alegria. Tá todo mundo aqui pra comemorar e celebrar dois anos de poesia na quebrada.

Reflexão

Somos tão e somente

A semente que germina

No momento presente

Pulsante agora energia

Somos no mínimo

Tudo quanto ou tanto

... o que pensamos

O que fazemos!

Somos tão e só 'mente'

Responsáveis por nós mesmos

... transformação; atitudes; ideias; estórias mutação

Entre dúvidas vivências

Impossibilitamos realizações

Quanto mais expectativas menor a condição de troca

Entendendo isso

Adquirimos experiências maravilhosas, e conseguimos de fato

Travar relações interessantes com a realidade

As decepções por vezes são inúmeras

Por outras, de modo a equilibrar com acertos

Estamos todos a uma grande distância da naturalidade

A intensidade do amor

É a medida do nosso comprometimento

Com a nossa existência e a do outro

Um espelho

No qual podemos observar

A nossa atuação no mundo.

(As legendas das fotos formam o poema Reflexão, da poeta Lids Ramos)

Um comentário:

  1. Caraca Pé emocionante, e isso que faz esse coletivo não desistir nunca, obrigado pelo carinho saiba que é mutuo, noiz e ponte!!!
    Abraço
    Juma

    ResponderExcluir