sexta-feira, 29 de abril de 2011

Chorinho e Poesia no Metrô Paraíso

Em sua segunda edição, na terça-feira, 26/04, das 18h às 19h15, o Sarau do Metrô Paraíso ocupou o palco do Projeto Encontros.

O convidado, Grupo de Choro João de Barro, desfiou acordes de consagrados autores como Pixinguinha, Jacob do Bandolim, entre outros.


No vai e vem dos trens e pessoas, o público é formado por aqueles que preferem não se aventurar no horário de pico. Usufruindo, assim, de melodias que nos remetem ao tempo dos bondes. De uma paulicéia vestida de terno, chapéu e gravata sob a malha de fina garoa.


Finda a parte musical, o sarau tem continuidade com a participação dos poetas...


Chegando ao convívio, Giberto Gaspar, com o poema Parecer, nos surpreendeu com a força de sua interpretação.


Caranguejunior é integrante dos Poetas do Tietê e sua perfomance traduz pegada, andanças, e sampa.


Guerreiro, Hugo Paz, faz da batalha cotidiana um caso de amor pessoal.


Marcando presença, mestre em filosofia, Chim e sua poética lançada em Naufrágios.


RR é Rubens Romero. Mais que literatura, é amizade benvinda.


O Grupo de Choro João de Barro é formado por Cibele (Flauta), Pedro (Violão 7 cordas), Fernando (Pandeiro), e Pachú (Bandolim).


Em ocuparmos espaços seguimos confiante. Nos versos, nossas vozes encontram eco e respeito.



O Sarau do Metrô Paraíso é fruto da parceria Casa das Rosas e Cine Magia, com apresentação de Marco Pezão. Na foto, Luiz Garrido, Hugo Paz, e Rubens Rometo. Oxalá estaremos juntos na última terça-feira do mês, 31/05, comungando poesia.


domingo, 24 de abril de 2011

Onde está Deus?

Marco Pezão

(Midraxe hagadá)

Ainda, o Jardim Santa Clara conserva tranqüilidade de cidade do interior.
Bairro pequeno, afastado do centro, deve ter no máximo três mil habitantes.

Na praça, em frente à capela, os jovens se encontram. Ouvem músicas, cantam, dançam, e os amores florescem entre os casais.


Adiante, a sorveteria do Gaspar. O concorrido cinema. O teatro onde companhias se instalam em temporadas.

Ocupando a esquina principal, a antiga padaria do seo Manoel produz o melhor pão de milho de toda região.


Sim, Santa Clara se mantém quase alheia às transformações da vida moderna. Pena que a televisão vá modificando mais do que o sotaque ali característico.


Mesmo assim, mantendo a tradição, as famílias conservam hospitalidade e se reúnem para o almoço domingueiro ou festejo de dia santo.


O fato é que próximo da praça, numa rua transversal, mora dona Tereza. Mãe de dois filhos, cujo marido meteu-se em negócio de caixeiro viajante e sumiu a vista de todos.


Ela, senhora de trinta anos, encara as dificuldades com talento no preparo de doces e salgados. Simpática e cuidadosa dá sustento a casa, e aos meninos Toninho e Agenor, de 10 e 8 anos.


Verdadeiros pentelhos. Pois não há duas pequenas almas mais endiabradas. Arte praticada por adultos é obra. Se, por crianças, é travessura. No lugarejo, a dupla é amplamente reconhecida.


Choque elétrico em gatos. Rato na gaveta da mesa da professora. Sapos nas mochilas das colegas de classe. Trocas de material escolar. Sumiço de lanches.
Nó em roupas penduradas nos varais. Fechaduras de portas tampadas com chicletes.

As brincadeiras valem reprimendas, mas eles não se emendam.
Nem a batina do sacristão é poupada. Um dia apareceu cheia de açúcar e repleta de formigas.

Até o vinho sagrado fora substituído por refresco.


Tudo que é peraltice, Toninho e Agenor praticam.


A ausência do pai é a explicação dos temperamentos arredios. Em consideração a mãe, a vizinhança é paciente.


São crianças, explicam. Amanhã ou depois tomam jeito. Quem sabe umas boas palmadas? Não! Dona Tereza é incapaz de levantar a mão aos filhos e sofre aborrecimentos.


Mas eis que um padre austero assume a igreja local. Traz fama de exigente quanto à disciplina das ovelhas rebeldes do rebanho de Cristo.


Por conselho das amigas, dona Tereza resolve enviar Toninho e Agenor a uma sessão.

Padre Afonso é alto e forte. Tem olhos miúdos, a barba cerrada e a cara quadrada.
Não ri por nada. E seu oficio é regido de forma incontestável.

Sabedor das traquinagens dos guris, o severo vigário segura uma vara de marmelo defronte ao altar.


Ambos chegam temerosos, e notam falta das imagens nas paredes. Não sabem que estão sendo restauradas.


Iniciando o sermão. Padre Afonso encorpa a voz e brada a pergunta peculiar:


- Onde está Deus?


Eles ficam parados e não dizem nada.


Com os braços estendidos acima da cabeça, vibra intencionalmente a vara no ar:


- Onde está Deus? - Repetiu o clérigo em tom rigoroso.


Um duplo susto. Os meninos não esperam por mais. Saem correndo da igreja e só param em casa quando dentro do guarda-roupa.


Dona Tereza, que já se preocupava com a demora dos filhos, os encontrou trêmulos:


- O que aconteceu?


- Mãe, agora a gente tá encrencado! Deus sumiu! E o padre acha que a culpa é nossa!