sábado, 11 de setembro de 2010

Gol em Bagdá

Rojões estouram ao léu.
Iluminando, de Taboão, o céu...
Futebol! Festivo domingo anuncia conquista...
O Corinthians, em 2003, é campeão paulista!

Um morteiro de porte
Perto de mim explodiu forte.
Cheiro de pólvora, enxofre, na memória um corte:
Mísseis invadem Bagdá, sem convite nem passaporte.
Nada os detém, nenhuma ordem que os aborte.
Levam na ogiva o endereço de transporte,
Ao destinatário, o encontro com a morte...

Tigre e Eufrates, arqueológicos rios...
Ali registram invasões milenares...
Mouros, hebreus, faraós, poderosos califas...
O tempo, areia, ampulheta, radares...
Camelos, cavalos, aviões, tanques e a baioneta..

A história do mundo segue na cauda de um cometa...

Bagdá
De mil e uma noite,
Bagdá
Atingida por estelar açoite...
Americaningleses em sofisticado bangue-bangue,
A mesopotânica terra cobrem de sangue...

Esconderijos, escombros exangue.
Fura-bunkers! Bombas mãe! Mãe?
Onde está meu filho?
O sobrevivente!
Medo e revolta plantam o espinho no deserto.
Delinqüente, resistente...
Mas nada perturba o sono tranqüilo
Do ianque presidente.

Desarmar o bandido interessa. Mordaça!
Manhattan! Kamikazes-suicidas! Desembaça!
Torres gêmeas, a vingança esvoaça...
Químicas e biológicas armas - troço, traça! -
Destruição e efeitos que a razão ultrapassa.
Criados por quem? Vendidos por quem? Ameaça!
Em vão; o clamor que a paz se refaça.
A gasolina é petrodolar, desgraça...
O amor se nega, o dom da palavra rechaça...
As cidades de Basha e Bagdá, arregaça.
Torna presa, a caça. O vento esfumaça...
Crianças, mulheres, velhos homens, escorraça!
Em nome do bem esbagaça a bagaça...
O mocinho é o maior engana-massa!

Aqui, em volta, na nossa periferia,
Bandeiras alvinegras festejam...
Copos cheios em risos de euforia.
Estalar de fogos, tiros, também barbaria...

Homo Sapiens, próspero decadente...
Os mísseis inteligentes
Marcam gols e matam inocentes...
Em mais essa burra bravata humana,
Ascendente, inconseqüente, imprudente, onipotente...

Bagdá
De mil e uma noite
Bagdá!

Timão, eh! oh! Timão, eh! oh!

Marco Pezão

Isabel

Isabel!
De volta pro pedaço
As ruas
As casas
Essa melancolia
As pessoas nem se olham
E o medo?

Aqui estamos no sacolejo do bus
Num canto esquecido do mundo
Na lembrança de Deus
E longe da memória dos homens
Que governam nosso país.

Você triste
Ônibus sem graça
Cara coberta pelas mãos
Sorriso raro
Olhos espertos
Estão de preguiça?

Que bate na cabeça da rosa
Que desabrocha
Em meio de dores
Luta, ódio, esperança?
Esfrega, arrocho
Poucos amores?

Em ter que se conformar trabalhar
Conformar trabalhar
Conformar trabalhar...

Nós, na face da Terra
Somos gente distante
Eu, amigo
Você garota
Viagem, sofrimento, alegria

Você é o urbano amor
Que falta no meu dia a dia
Isabel!

Marco Pezão

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Será que pode?

- Que diabo é esse batendo na lataria, 125?

- Encosta, 53! É o Papel correndo atrás do ônibus.

- Não para não, motorista! Tá fora do ponto. Vamos embora!

- Logo cedo estressado, tricolor?

- E não é pra tá? Outra vez, em frente ao portão de casa, tinha bosta redonda feito uma torta.

- Muuugi, boi...

- E, na calçada, uns cocozinhos parecendo caroço de azeitona.

- Mééééééé...

- Ufa! Valeu, seo Tobinha. Bom dia!

- Bom dia, Papel! Por pouco ficava, se faço a curva, só amanhã.

- A solução de todos os mistérios, aparentemente intransponíveis, está na firmeza do pensamento. Graças, a ele, viajo a bordo do sucesso.

- Sem você, a viagem não ia ser a mesma...

- Reciclei um livro de auto-ajuda e resolvi pôr em prática os ensinamentos. Não sou mais um peão perdido no tabuleiro de xadrez. Sou torre medindo adversidades, minha postura agora é de xeque mate.

- O que seria do rei, se não fossem os cavalos?

- Deus me dá força pra empurrar a carroça, e o resto eu faço. A concorrência aumentou muito, porém, o sol brilha para todos em maior ou menor escala; isso depende da eficiência do trabalho, do acontecimento imaginado por mãos fecundas. E, com sua licença, seo Tobinha, vou atuar em grande estilo.

- O palco é seu.

- Senhores e senhoras, Alexsandro Papel, reciclagem de papelão e artigos de papelaria, feliz em compartilhar suas companhias, deseja a todos um ótimo dia. Acompanha essas palavras matinais, um pedido de desculpas.

A primeira viagem traz saudades da cama e, de repente, um chato, se fazendo ouvir, falando feito despertador. Sinto muito, mas é meu serviço e humildemente peço colaboração.

Vou estar distribuindo uma sacolinha. Leiam, por favor, a mensagem estampada. A Fundação Sol Nascente - que eu represento – não deseja dinheiro e , sim, que o espírito de solidariedade se manifeste em cada um dos passageiros.

A grandeza de um homem, mulher ou criança, se mede pelo tamanho de suas ações, socialmente praticadas. Por favor, senhor, segure uma sacolinha. A senhora, por gentileza. Você, jovem... De que maneira ser solidário em posse de uma sacolinha?

É simples. Tudo que é papel, papelzinho, papelzão, papelão, não jogue fora. Guarde na sacolinha. A sacolinha é um símbolo de consciência.

Usem sacolas descartáveis, sacos de lixo. Façam mutirões. Juntem cadernos velhos, calendários, agendas, notas fiscais, tique de caixa registradora, jornais, revistas, livros escolares...

O trajeto luz leva sua carga. Pessoas quietas, olhares a frente em breves balanços. Alguns ouvem, outros bocejam indiferentes, mas, dona Dirce e a dona Angelina, conversam animadamente...

- Estava com vontade de fazer nhoc com massa de batata. Angelina, preparei uma receita que aprendi com a minha sogra, que Deus a tenha, é qualquer coisa de fenomenal.

Ei, Alexsandro! Tenho em casa alguns livros de receitas que já não me fazem uso. São receitas ótimas e simples de fazer. Como faço para entregar?

- Grato, dona Dirce! Note que dentro da sacolinha tem um bloquinho de papel reciclado e uma caneta muito bonita. E essa escreve! Por favor, anote seu endereço, telefone, que eu providencio a retirada.

E a colega ao lado tendo algum artigo de papelaria disponível, contribua; seja também uma primorosa doadora em nossa causa. Reciclar e solidarizar o conhecimento são atitudes nobres.

Livros novos custam caro. E a maioria da população não tem acesso a eles. Como desenvolver o hábito de ler, se os livros não circulam em liberdade?

Livro parado é livro amputado. Eles contêm histórias, conhecimentos. São pernas de escritores querendo chegar aos olhos dos leitores. E os deixamos acumulados numa caixa qualquer ou tomando pó na estante, no armário, na mala esquecida.

São atos e informações que repousam sem conquistarem suas metas. E nós, ao invés de sermos guardiões desnecessários desses tesouros, podemos colocá-los em circulação, devolvendo- lhes a utilidade devida.

Não tomarei mais o tempo precioso de vocês. Estejam alerta. A Fundação Sol Nascente, através da reciclagem, contribui para a preservação de milhares de árvores.

Árvores que purificam o ar, vital a nossa saúde, e que devem servir ao fabrico do papel.

E, como vocês já devem ter notado, dentro da sacolinha, a caneta e o bloquinho de papel reciclado fazem parte da campanha que a Fundação Sol Nascente vem promovendo no auxílio de jovens prisioneiros do mundo das drogas e do alcoolismo.

A ajuda que pedimos é de apenas um real. Um real somente e o abrigo continuará a oferecer tratamento médico e psíquico a todos os desamparados.

Infelizmente, aqueles que não dispõem o dinheiro no momento, por favor, me devolvam a caneta. Mas a sacolinha e o bloquinho de papel reciclado seguem na missão!

Em nomes dos perseverantes, a Fundação Sol Nascente aguarda seu contato ou visita para tornar-se um respeitável doador oficial...

Assim começou o dia igualmente a tantos outros dias que passam sem conta. Enquanto o ônibus percorre sua rota, Alexsandro Papel recolhe as canetas e prossegue da maneira habitual.

- Senhoras e senhores passageiros, eu me despeço com votos de reais felicidades. Alexandre Papel, reciclagem de papelão e artigos de papelaria...

Nisso foi interrompido por uma moça trajando preto, de penteado curto e azulado, com grandes brincos nas orelhas, piercings sobre a sobrancelha e nariz. Exibindo sua sacolinha falou em tom sério, mas exalando intimidade e zombaria:

- Alexsandro, querido! Papel higiênico usado, pode?

- Muuugi boi...

- Mééééé...

Marco Pezão

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Caso da noite

No assalto
O corpo no asfalto
O sangue
A ferramenta na mão
O revólver na mão
Tô contigo e não abro
Nem pra morrer
Largou o dedo do gatilho

O jornal cobria o peito
Os braços, a cara
Do roubo ele levou três pipoco

Já era!
Em volta do corpo
O povo rodeava
O povo murmurava:

- É assalto, é assalto?
- Quem é? É quem nóis conhece?
- Homem quando vê desgraça se rodeia...
- Se achega que eu quero olhar!
- Diz que não é daqui
- Diz que é um tal de Alemãozinho...
- Que treta bicho!

Da noite
A necessidade surge violenta
Berro, turbina, canhão!
Eram três, no assalto a padaria
Os fregueses, tensão!

- Todo mundo com a cara parede!
- Dinheiro, dinheiro, dinheiro pra mão!
- Vai! Vai! Se acanha! Se acanha, caralho!

Parecia feito
O pinote!
Veio o desfeito
O azar!

Homem da lei
Cumprindo sua lei
Deixou o copo
Sacou o 38
Se cobre!

Jogou fogo
Dois fugiram
Um ficou no relento
O povo olhando:

- Diz que tomou três tiros!
- E os outros?
- Dois correram pro lado do parque.
- Eu vi. Eu vi...
- Na carreira quase derrubaram a mulher que vinha subindo
- Um ladrão a menos

- Se afastem, se afastem!

- É ele! É ele ali que atirou!
- Levaram, levaram o dinheiro!
- Meu que mina! Olha que mina, meu!
- Pra calçada, pra calçada!
- Deixa trabalhar quem está trabalhando!

Passava das onze
O povo circulava
Na padaria assaltada
Tirando gosto se comentava o fato
Entre a cachaça e a cerveja

Mocinhas chegam sorridentes
A mãe procura o filho
A namorada, o namorado
O motorista, o operário
O cobrador, o professor, o carregador
O pedreiro, o servente
O irmão
Gente de toda criação
Gente da periferia
Chegavam, saiam, ficavam...
Nos olhos a visão do morto
No rosto a preocupação de se manter vivo
De se livrar de quem rouba
De amargar toda violência da vida

- Sai de cima que o defunto vai ficar sem ar!

No assalto
O corpo no asfalto
O sangue!
A ferramenta na mão
O revólver na mão
Tô contigo e não abro
Nem pra morrer largou o dedo do gatilho
O jornal cobria o peito, os braços, a cara!
Do roubo ele levou três pipoco
Já era!

Em volta do corpo, alguém comentava:

- É o desespero do povo...
- É o desespero do povo...
- É o desespero do povo...

Marco Pezão

segunda-feira, 6 de setembro de 2010