sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Sarau Arlequinal!

A poeta Regina Tieko marcando presença no Sarau na Casa Mário de Andrade

Clima de Copa do Mundo. Quente gélida África do Sul. Tombaram os elefantes. A Costa do Marfim sentiu o poderio. Ferve Brasil!

Anhangabaú, diante do telão, o vale abriga cinquenta mil pessoas. Amarga’mente doce domingo. Noventa minutos à espera de explosão.

- Expulsou o Kaká! Expulsou o Kaká!

- Vitória! Vitória!

- Paciência, Boi!

- É muito bicho blau! Cafungando blau-blau no seu redor!

Sexta-feira madorrenta vomita azedos em tua Aurora. Triunfo, a rua, e arredores, cachimbos sanguesugueiam espectros à deriva, na Luz, a estação.

Outros tempos. Próximo ao teu sobrado da Lopes Chaves serpenteia o elevado Minhocão. Barra! Funda!

Passadista futurista como é, sabe! Somos tatuzão furando chão. Petroleando metro a metro lentos trilhos. Rápido transporte. Metrô!

Pena! Ainda bem longe do meu pedaço.

A periferia se estende longe. É tanto aço espalhado. Empalhado se mantém aquele fulgor de outrora, paulistanamente falando.

Ouço: “Luzes do Cambuci pelas noites de crime... Calor!... E as nuvens baixas muito grossas, feitas de corpos de mariposas, rumorejando na epiderme das árvores... E os bondes riscam como um fogo de artifício, sapateando nos trilhos, jorrando um orifício na treva de cal...”

Neblina em crise. Garoa também. O vai e vem multiplicou milhões de pernas e carros. O Arouche do largo virou arrocho. Largo do Arrocho. Não mais Casa Kosmos, nem capas, e nem pombas normalistas.

Arrisca passar ali, à noite, e seguir a encoberta Amaral Gurgel até a Consolação. Goela adentra sob a Praça Roosevelt. Desconsolo funéreo. É muito blague.

“Nossos sentidos são frágeis. A percepção das coisas exteriores é fraca, prejudicada por mil véus, provenientes de nossas taras físicas e morais; doenças, preconceitos, indisposições, antipatias, ignorâncias, hereteriedade, circunstâncias de tempo, de lugar, etc...”

- Pai Sandu! Pai Sandu!

- O que é Mocinha?

- Oi lá! Oi lá! De saia curta, as pernas toda de fora e fazendo sinal pro senhor! Ainda mais do lado de uma igreja tão bonita. Que vergonha!

- Não se avexe não, Mocinha! Come teu churrasco grego e eu vou saber o que ela tem a me dizer. Deve ser importante!

Moral da história: Mocinha não ficou órfã. Mocinha ganhou uma mãe.

“Anita Malfatti falava-me outro dia no encanto sempre novo do feio. Ora Anita Malfatti ainda não leu Emilio Bayard: “O fim lógico de um quadro é ser agradável de ver. Todavia comprazem-se os artistas em exprimir o singular encanto da feiura. O artista sublima tudo”.

Estou na cozinha. Percorro passos na tentativa de um cheiro que me leve além da escada, do quintal, o assoalho, dos quartos. O visual anterior. A sala. O piano recostado.

Tomamos café. Ficamos no aguardo de vozes. A foto ampliada na parede observa. Osvald de Andrade, Serginho Milliet. Paulo Prado, Graça Aranha. Olha o Manuel Bandeira!

Cara, você é uma figura!

Imagens televisivas contam acidente aéreo. O atchim suíno. O estufa feito. Alagados de Alagoas. Ensebadas guerras. Mendigos na chuva. O pré-sal. O carnaval. O futebol. Injurias. Juro alto. Pessimismo? Poe, never more!

“É tão grande a manhã! É tão bom respirar! É tão gostoso gostar da vida! A própria dor é uma felicidade...”

Tua casa nos abriga. Vai começar o sarau. Em beber água de tua fonte, nos banhamos. Em versar brasilidades, persistirmos.

É a nossa poesia em sua desvairada procura. Pauliceia ampliando discussões, questionamentos. Não importa se da beleza de um par de coxas. Mesmo manca, estamos poetas.

É o que importa. O modernismo sem microfonia. Continuamos atentos: "A poesia tende a despojar o homem de todos os seus aspectos contingentes e efêmeros, para apanhar nele a humanidade...”

A jabulani sul africana dungou, nos enganou. Mas, cá entre nós, vuvuzela Mário de Andrade! O microfone é todo teu.

Arlequinal!

Sarau na Casa Mário de Andrade
Rua Lopes Chaves, 546, Barra Funda.
Toda 2ª sexta-feira de cada mês, das 19h30 às 21h30.
Projeto Mapa da Poesia.
Produção: Marco Pezão, Cris Nolli e Lid’s Ramos.
Poiesis – Organização Social de Cultura.

O pernambacana Valmir Jordão desfia a invisível e palpável linha da poesia