sábado, 28 de agosto de 2010

Bienal lotada e Poetas da Casa declamam no palco da poesia

Milhares de histórias circulam. Livros estáticos observam e anseiam olhos acolhedores...


E o bichinho da leitura vai contaminando e cativando número maior de leitores em Sampa. Uma boa história, em verso ou prosa, atrai quero mais. Envolvimento quente, refrescante, influente.


O digo, não somente diante dos 740.000 mil visitantes à 21ª Bienal do Livro, ocorrida entre os dias 12 e 22 de agosto, no Anhembi. O momento traz profundidade maior.

Beleza! Lendo as pesquisas, segundo a Datafolha, o sexo feminino predominou em 54%, seguido dos jovens entre as idades de 14 e 25 anos, com 34% de comparecimento.

Na opinião geral, 93% classificaram o evento como bom e ótimo. O descalabro ficou por conta da praça de alimentação. 63% dos entrevistados condenaram o serviço.

E com razão. Tudo muito caro sem o mérito da saborosa qualidade. Como dizia o Adolfo: Feito nas coxas. Um chocolate pequeno a $3,50? Barbaridade!

No Salão de Ideias, a imortal Ligya Fagundes Teles, palestrava para 150 ouvintes atentos, tendo o dobro na oportunidade de querer vê-la. Ziraldo, a mesma proporção. Ambos escoltados por segurança, tal o benéfico assédio.

Ligya falou: "Fico satisfeita ao descobrir que o escritor, embora habitualmente morra pobre, ao menos conta com o carinho do público".

Com gente transbordando pelo ladrão, no Território Livre, a
atriz Guta Stresser, o jornalista Guilherme Fiuza e os humoristas Rafael Cortez e Paulo Caruso, desempenharam à mesa do “Fazer Humor é Coisa Séria”.

Em entrevista coletiva, Juan Pablo de Vera, presidente da Reed Exhibitions Alcantara Machado, empresa que organiza feiras como a de Frankfurt e Paris, prevê que o Anhembi já era:

"Estamos conversando com a CBL sobre características que achamos que o espaço deve ter para a próxima edição. O Anhembi foi criado em 1970. É preciso pensar num novo pavilhão em São Paulo que comporte feiras de caráter internacional.”

Tudo muito bonito, pop-star. Muito justo. Mas o caminho hoje deriva. Retorno bater outra tecla. Por favor...

Não esqueçam de um estande amplo para os chamados escritores alternativos, de editoras alternativas. De pessoas interessadas e envolvidas no desenvolvimento cultural dos bairros onde habitam. São eles, poetas, que bancam seus livros.

A literatura periférica ou marginal, é uma realidade em profusão na capital. Alguns autores cortejam os passos de sucesso. Não basta. Pela proposta é preciso reconhecer o geral.

É trabalho. Trabalhar é bom, né? Legal! Penso. Se podem gastar quatrocentos mil, valor do prêmio do concorrido concurso literário paulista, podem e devem aquecer o lado dos não formais.

É tão importante quanto. Talvez até mais. Se observamos a circunstância histórica.

Quando disse acima que está aumentando o número de leitores e dos que se aventuram às letras não me referi somente à quantia enorme dos visitantes à 21ª Bienal, sabendo que em 2006 o total chegou a 811.000.

É nóis! O atual movimento poético executa um trabalho de propagação da leitura através dos saraus, nunca antes visto. O que é melhor, buscando e trilhando identidade própria.

Poetas e escritores, por tradição, tinham no bar um ponto de encontro. Avançaram. Agora ocupam o balcão pra palco e dá-lhe sarau! O mapeamento aponta mais de sessenta.

E, no embalo, a cultura ganha. Seja o hip-hop, a música popular, os curtas metragens produzidos, o teatro. O leque se amplia. O microfone resiste em se manter aberto, conectado.

Mas, o que se produz é feito somente na base da paixão. Apoio mínimo, nenhum! É importante lembrar.

Prova do sucesso do enfoque foi o desenrole no estande da Fundação Volkswagen. A SPEL – São Paulo Estado de Leitores - e o Mapa da Poesia, projetos da Poiesis – Organização Social de Cultura – programaram 11 saraus, em 10 dias de evento.

Acreditem: precisaríamos de muitos mais dias fossemos contemplar os recitais existentes.

Poetas da Casa em cena

Na domingueira de 15 de agosto foi vez do sarau Poetas da Casa das Rosas estar em foco.

A sacada deste recital tem olhar da poeta Maria Alice.

Reunindo alunos e ex-alunos das oficinas e cursos de criação literária promovidos pela Casa das Rosas, na avenida Paulista, Maria Alice é causa dos encontros mensais, no último domingo de cada mês.

Uma particularidade fica por conta das inscrições via e-mail, em resposta ao convite enviado.

Os interessados remetem dois poemas. Do poeta preferido e o de autoria própria. A antologia, quiçá breve, possa se transformar em livro; objetivo da curadora.

Os declamos são divididos em dois tempos, intermediados por apresentação musical.

E tive o prazer de acompanhar o desempenho inédito. Trinta poetas inscritos, fortemente armados de versos, tomaram de assalto o estande da Fundação Wolksvagen, nesta 21ª Bienal do Livro.

A plateia arrasou. A saudável energia transmitida deu luz ao residente sentimento familiar deste sarau.

Os gaúchos do Grupo Voz foram atração no intervalo. Tchê, que show! Barbaridade de afinação e repertório. E só foi uma canequinha do chá pra despertar gosto.

Livro parado é livro amputado. Eles contêm histórias, conhecimentos. São pernas de escritores querendo chegar aos olhos dos leitores.

Na sua própria forma de ser, os Poetas da Casa contribuem em divulgar e engrandecer o atual movimento poético.

Salamaleque!

Segue a entrevista com a apresentadora Maria Alice, além das fotos de nossa lembrança.

Pé - Fale um pouco da participação dos Poetas da Casa das Rosas na Bienal:

Maria Alice - A participação do Sarau Poetas da Casa das Rosas na Bienal Internacional do Livro foi uma honra de grande motivação. Tivemos a oportunidade de nos apresentar no foco da elite literária e estender nossa produção poética para além das fronteiras da Casa das Rosas, atingindo um público centrado na poesia e literatura, bem semelhante ao que frequenta mensalmente o nosso sarau. Foi uma experiência emocionante e muito gratificante para todos nós.

Pé - Como você vê hoje o crescente movimento poético envolvendo tantos saraus pela cidade e periferia:

Maria Alice - Acredito na poesia como uma forma de expressão cultural e de aproximação das pessoas. É o que vem acontecendo como nunca visto antes. O mapeamento dos pontos de poesia na cidade de São Paulo através do Mapa da Poesia, e a Poiesis - Organização Social de Cultura, tem colaborado de forma significativa para o avanço deste movimento poético.

Pé - A importância do Sarau Poetas da Casa das Rosas incentivando o estudo e a prática da poesia através de leituras e oficinas:

O Sarau Poetas da Casa das Rosas envolve a participação de poetas que fazem cursos regulares ou eventuais na Casa das Rosas, e, é, sem dúvida, um veículo importante de incentivo à prática da poesia e à literatura. O poeta estrutura o seu poema e já tem a expectativa de apresentá-lo no sarau. Frequenta cursos na Casa, faz oficinas e está em contato com tudo que está relacionado ao universo poético. É um amante do literário, tendo a poesia como foco principal. Cabe aqui salientar que o Sarau Poetas da Casa das Rosas vem ampliando laços de amizade e despertando interesse de outros poetas, que tem procurado os cursos da Casa também com o intuito de participar desse grupo. Temos um formato de sarau próprio onde dividimos o espaço com a apresentação de poemas de autoria própria e poemas de outros poetas, permitindo um mergulho em obras de autores variados.

Maria Alice Vasconcelos apresenta os Poetas da Casa na 21ª Bienal e os homenageia com seu poema...

Auto Retrato


cores quentes
expressam a rotina;

nos esfumaçados refratários

cores frias

viam cair a noite

minguada de estrelas

o negrume ofusca

o lume do dia

valores perdidos

diluindo-se nas ruínas

ruídos: gritos gemidos

(múltiplos e marginais)

no estalar estonteante

tiroteiam túneis

transitam no tráfego

tinindo nas ruas

tísicas

trepidam o refratário

dos quadrados verticais

pertubam o repouso

dos fatigados

arrepia a espinha

num sono agitado

tingi-se de vinho tinto

uma fatia

de minha pintura

para encobrir meus

dejetos-delitos

a fatia apodrecida

do intestino fino

que foi infectado;

olho o óleo na tela

de olho na trama

que urdi em arte crua

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Ó ó ó ó freguesia! Aqui é Poesia! Na Brasa, mano!

Bar do Carlita, na Vila Brasilândia, onde acontece, aos sábados, às 21h, o Sarau Poesia na Brasa...

Quente como veneno. É só se deixar invadir. Mantenha a mente aberta dando vazão à emoção. O coração tá nessa. Na ponta da caneta ou na voz desse povo da poesia. Vai sentir-se bem, mano.

Eita povo, mora! Não os conhecia. Aliás, os conhecia de nome. Sarau Poesia na Brasa. Um dia cheguei, mano.

Sabadão, meio da tarde, debandei do Campo Limpo num bus pra Paulista. Embalado e chapado da continuidade do ontem dormi e acordei só no Paraíso. A cabeça é que tava o inferno. Zoada, mano!

Refresco um sorvete e aos poucos a fumaça foi se dissipando. Embarcado estava no bus Vila Brasilândia seguindo o roteiro. Maior viagem, mano.

Mudando a paisagem, toda quebrada se parece. São Paulo tamanho medonho. Consumindo esquinas lembrei acadêmica colega de trabalho falando. A tradição negra lá é muito forte! Fiz a leitura. Branco na miúda. Nada disso, maior respeito, mano.

Me enturmando com a turma da zona norte no bar do Carlita. Oxalá me quer bem. Sempre tem algum poeta conhecido. Estamos com a máquina fotográfica em punga e uma bramosa pra assentar o espírito, mano.

E o tambor e o atabaque começam a fluir trazendo saudação:“Tambor, tambor vai buscar quem mora longe ‘...’ Ô meu tambor que é feito de couro e pau vai buscar todos poetas pra falar no meu sarau...”

Ao fim do recital, braços sobre ombros se alongam em redor. “Tambor, tambor vai levar quem mora longe ‘...’ Vai levar todos poetas que falaram no sarau...” É isso aí, mano. Pá de gente nova e magia de candomblé. O baguio pega e os versos exalam flor da pele.

Impressionado também fiquei quando retornei em julho pro aniversário de dois anos quando aconteceu o lançamento do segundo volume da antologia Poesia na Brasa. Fecharam a rua com o palanque. Até a velha guarda da Rosas de Ouro colou, mano.

Tudo feito no maior suor. Palco tem que buscar, montar, devolver, depois de vencer a canseira burocrática, você tá ligado. É correria de quem tem algo a dizer e corre pra tornar verdadeiro, mano.

E o relacionamento criado, embora novo, nos permitiu ocasionar a participação do coletivo na abertura da 21ª Bienal do Livro, no Anhembi.

Foi na van do motorista Tomoto, em 12 de agosto, quinta-feira, que da Vila Brasilândia acompanhamos parte da costumeira e semanal presença. Quatorze poetas ao todo. O bastante pra fazer maior eco, mano.

Elo de corrente a roda formada. A cantoria e o batuque soaram toda apresentação. Cada qual se lançando ao praticável armado de sua função. Não emudecer, jamais. Vozes aladas.

Alta pegada dos caras e das minas lá da Brasilândia, mano. Oxalá! Bendita seja a convivência!

II

Eu agora neste ensolarado domingão. Sem poder brejar. Sorvendo remédios por conta dumas berebas, na perna, explodida. É no que deu os vários graus, ao tempo, devidamente consumidos. E, antes que a pressão me imploda, temo. Dei um breque, mano.

Mas, machucado, sim, por outro motivo. Hoje, último dia da Bienal, decorridos onze saraus, fim da nossa incumbência. Não vou. Não vou arredar pé de casa. Tô p..., mora. Não tá no mapa da poesia o que me aconteceu. Te conto, mano.

Pô, quase quinze anos de andança na várzea; fotografando e escrevendo o futebol varzeano sudoeste. Fazendo matérias de saraus nos bares da quebrada. Percorrendo favelas, as bocadas da periferia, e nunca me sumiu uma pilha, mano.

Ontem, sábado, cheguei no estande da Fundação Volkswagem, local de nossa obrigação, cheio de entusiasmo em rever amigos e as poetas da Ademar. Camilas e decotes. Deslumbrei fotos maravilhosas, mano.

Depois de minha identificação pra adentrar o recinto. Vê; eu que ia trabalhar e estava usando crachá! Cumprimentei a todos. Instalavam-se os microfones, aquela passada no som. Louca cena que ainda procuro imaginar.

As pessoas foram andar ficando somente a produção, o segurança, a mina do lap top que dá um trampo comigo, sentada à entrada. Uma colega que estando só na platéia ouviu de mim, mano.

Olhe por minha mala, por favor; justificando minha ida ao banheiro.Gente a dar pro pau, andando. Aproveitei pra fumar um cigarro. Não deu dez minutos e voltei, mano.

Entrei e troquei a boa expectativa que me cercava por sentimento de desprezo de mim comigo, ao ver que a minha mala colocada atrás da poltrona juntamente com outras tantas, ela coberta com meu agasalho, havia sumido, mano.

O agasalho foi deixado no chão. Perguntas em vão. Ninguém viu, ninguém sabe. Busquei afora e dentro entre as histórias circulantes e livros estarrecidos com tudo o que se há de contar. Fiquei com a maior cara de mané, mano!

Eu, nego véio, de mil e uma paragens sub urbanas. Que nunca sentiu o desvio de uma pilha, agora ser lesionado em casa de bacana, mano.

Acusar não dá, antes, me acuso. Mas a negligência da produção é imperativa. Maior miguelagem, mano. Minha máquina fotográfica. As lentes, meu gravador. Equipamento de trabalho...

A coletânea completa das poesias de Mario de Andrade, que não era minha e vou ter de pagar outra. Meus poemas em soltas folhas impressas. O óculos escuro. Aí meu prejú material, mano.

Furtaram-me, mesmo que momentaneamente, o prazer de produzir imagens. Mas, Oxalá é mais! Não podem me roubar as palavras, a quem todos temos direito. E, desse assunto sofrido, a boca emudece, mano.

III

Já é segunda-feira e percorro lembranças pra terminar meu objetivo. Folheio o livro Poesia na Brasa onde procuro incendiar o entusiasmo aplacado. Escuta o que diz o coletivo, mano:

“Quem vê o nosso trabalho, imagina que chegar até aqui foi tarefa fácil, mas muitos desconhecem nossa caminhada, que ao longo do percurso teve várias conquistas, porém teve também vários trabalhos frustrados. Nestes dois anos foram muito mais pedras do que flores, porém aprendemos a pegar essas pedras e construir caminhos diferentes para nossas periferias, com o cheiro bom das poucas flores que recebemos...”

O eu em nóis é a chave da cadeia, mano. Essa é a real. Como é que pode uma Bienal do Livro não ter um estande dedicado aos poetas e escritores da periferia, cujos livros bancam?

Que as secretarias de culturas teimam em não reconhecer a literatura periférica como fato, hoje, transformante? Quando muito, esmolas em conta gotas. O poder é blague, mano.

Nos onze saraus apresentados na Fundação Volkswagen mais de uma centena de poetas declamadores, além de atores, músicos, marcaram ali presença. É pouco? Querem mais? É só abrir as trancas. É só abrir as trancas, mano. Ouça o que fala a Ana Carolina Teixeira Maria:

“E se a novela, a música, a dança – entre outros – mostram uma visão tão superficial e preconceituosa de questões como a etnia, de gênero, de opção sexual e de classe, resta aos espaços alternativos suscitar uma discussão que vá além das teorias acadêmicas, partindo das experiências de quem vive a realidade concreta. ‘...’ O propósito do Sarau não é a arte simplesmente pela arte, mas sim a arte que tem o objetivo de estimular um processo socioeducativo que alimente a luta e a resistência de um povo que não se segrega pautado nas diferenças de etnias, sexo, idade ou origem; mas que se reconhece enquanto classe!”

Recordações, aprendizagem. Ó ó ó freguesia! Aqui é poesia. Na brasa! Baguio louco, mano. Atente ao chamado:

“Tambor, tambor vai buscar quem mora longe
Tambor, tambor vai buscar quem mora longe
Ô meu tambor, que é feito de couro e pau
Vai buscar todos poetas pra falar no meu sarau
Vai buscar todos poetas pra falar no meu sarau...”


Michell da Silva, mais conhecido por Chellmí, é da Vila Brasilândia e faz parte do Coletivo Cultural Poesia na Brasa. Ao pé das imagens brota o seu poema...

A Verdadeira Roseira

Explosão na quadra, o grito de campeão ecoa

Euforia de rosas,

na cidade da tempestade e não mais da garoa

Não importava quem estivesse

com os dentes brilhando ou com sorriso banguelo

Naquele dia ninguém julgou

se você estava de tênis ou chinelo

A Brasilândia desceu o morro e tomou conta de novo

Mostrando que a melhor festa é feita pelo povo

Dezesseis anos na espera e o dia chegou

Apaixonados de uma só voz gritando que a campeã voltou

É a roseira embalada ao sabor do chocolate

Veio o bom samba tecido pelas mãos do mais belo alfaiate

A comunidade que sofre teve seu momento de felicidade

A quadra foi invadida pelo desabafo da humildade

Pra quem faz da sua camisa um manto e nunca sua farda

Um salve de coração à sublime velha guarda

Um furacão, ou melhor,

um tornado que comandou aquela bateria

Nota 50 que quem a acompanhou jamais a deixaria


Desfile digno de uma escola tradicional

Na última nota da apuração, emoção não tem igual

Depois de muito tempo foi redescoberto o tesouro

Hoje bato no peito e tenho orgulho de ser Rosas de Ouro.