terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Ilusória fúria de um algoz

Bola rolando...

O placar contrário deixa torcida do Tubarão furiosa com atuação do trio de arbitragem.

O Sem Saída vai vencendo por 1 a 0.


Juiz de futebol na várzea requer astúcia. Por melhor que conduza a partida haverá senão.

Neste campo de terra batida, o Tubarão nada. Os torcedores pedem pro time morder. Querem garra. Querem festejar o gol que não acontece.

Enquanto isso, no boteco do Ebrinho, encostado no balcão, um cara conhecido por Quarenta, de estatura mediana e forte, pede maria-mole.

O apelido Quarenta vem da chapa que usa no trabalho. Numa empresa de transporte coletivo.

Num gole, Quarenta sorve o líquido e reclama:

- Porcaria de time!

Nem precisou pedir outra. Meio Quilo já preparava:

- Saindo mais uma mm.

Nisso, ouve-se o coro dos torcedores anunciar a mãe do árbitro.

- Sacanagem! Vou te dizer. Se alguém xingar minha mãezinha? Pode ser o homem do tamanho que for. Eu derrubo.

Numa golada deixou o copo vazio.
Quarenta circula o campo. Aos berros incentiva:

- Vai Tubarão! Mostra que tu é macho!

Se alguém esbraveja materna exclamação contra arbitragem, recrimina:

- Ô meu amigo! Tá certo que o diabo do juiz é safado; mas não bota a mãe no meio!

Um ataque pela direita. A bola é lançada e o jogador avança livre em direção ao gol. É grande a chance do empate!

Inconformismo da torcida do Tubarão. A bandeira é levantada. O apito acusa impedimento.

Bastou. Foi a gota. A grade balançou. Quase duzentas vozes numa só:

- Ladrão f da p.

Não se sabe como ele conseguiu passar. Pequena brecha do alambrado transpôs cabeça. O resto do corpo foi junto. Ensandecido!

Partiu em direção ao árbitro, que tratou de fugir. O Quarenta correndo atrás. Com a mão direita na cintura segurava um volume sob a camisa.

A impressão é de uma arma. Alguns jogadores se lançaram a persegui-los. A maioria pensou em proteção.

O corre-corre deu duas voltas no campo.
Os bandeirinhas sumiram. O árbitro chegou exausto à porta do vestiário fechado.

Sentou desconsolado no degrau. Tremeu zombaria das pessoas aglomeradas no portão de entrada:

- Vai morrer! Vai morrer!

Caiu em pranto. Protegendo o rosto aguardou a fúria do seu algoz.

A maneira como Quarenta chegou. A postura da mão posicionada é de quem vai sacar o revólver...

- Pelo amor de Deus!

Bradou angustiada alma.

Naquele tenso momento toca campainha de um celular.

Quarenta levanta a camisa...

É agora!

Que alívio!

Era o telefone que ele protegia para não cair.


- Alô, mãe! Tô no campo. Mas, assim, já? É que... Tá bom, mãe. Tá bom, eu vou. Eu vou... Oche!

Olhares ansiosos acompanham o sufoco do indefeso juiz. Quarenta apontou o dedo e falou:

- Eu não vou te fazer mal. Vá pra casa e peça perdão à sua mãe por você ser causa da difamação dela. E nunca mais apareça aqui para apitar um jogo do Tubarão.

Dito isso, foi saindo entre fracos aplausos, gritos, falas, e muitas vaias...

- Tanta correria pra nada? Nem sangue, nem porrada?

Decepcionada torcida, então, pro Quarenta, entoou:

- F da p, f da p, f da p...

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