terça-feira, 7 de setembro de 2010

Caso da noite

No assalto
O corpo no asfalto
O sangue
A ferramenta na mão
O revólver na mão
Tô contigo e não abro
Nem pra morrer
Largou o dedo do gatilho

O jornal cobria o peito
Os braços, a cara
Do roubo ele levou três pipoco

Já era!
Em volta do corpo
O povo rodeava
O povo murmurava:

- É assalto, é assalto?
- Quem é? É quem nóis conhece?
- Homem quando vê desgraça se rodeia...
- Se achega que eu quero olhar!
- Diz que não é daqui
- Diz que é um tal de Alemãozinho...
- Que treta bicho!

Da noite
A necessidade surge violenta
Berro, turbina, canhão!
Eram três, no assalto a padaria
Os fregueses, tensão!

- Todo mundo com a cara parede!
- Dinheiro, dinheiro, dinheiro pra mão!
- Vai! Vai! Se acanha! Se acanha, caralho!

Parecia feito
O pinote!
Veio o desfeito
O azar!

Homem da lei
Cumprindo sua lei
Deixou o copo
Sacou o 38
Se cobre!

Jogou fogo
Dois fugiram
Um ficou no relento
O povo olhando:

- Diz que tomou três tiros!
- E os outros?
- Dois correram pro lado do parque.
- Eu vi. Eu vi...
- Na carreira quase derrubaram a mulher que vinha subindo
- Um ladrão a menos

- Se afastem, se afastem!

- É ele! É ele ali que atirou!
- Levaram, levaram o dinheiro!
- Meu que mina! Olha que mina, meu!
- Pra calçada, pra calçada!
- Deixa trabalhar quem está trabalhando!

Passava das onze
O povo circulava
Na padaria assaltada
Tirando gosto se comentava o fato
Entre a cachaça e a cerveja

Mocinhas chegam sorridentes
A mãe procura o filho
A namorada, o namorado
O motorista, o operário
O cobrador, o professor, o carregador
O pedreiro, o servente
O irmão
Gente de toda criação
Gente da periferia
Chegavam, saiam, ficavam...
Nos olhos a visão do morto
No rosto a preocupação de se manter vivo
De se livrar de quem rouba
De amargar toda violência da vida

- Sai de cima que o defunto vai ficar sem ar!

No assalto
O corpo no asfalto
O sangue!
A ferramenta na mão
O revólver na mão
Tô contigo e não abro
Nem pra morrer largou o dedo do gatilho
O jornal cobria o peito, os braços, a cara!
Do roubo ele levou três pipoco
Já era!

Em volta do corpo, alguém comentava:

- É o desespero do povo...
- É o desespero do povo...
- É o desespero do povo...

Marco Pezão

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