terça-feira, 24 de agosto de 2010

Ó ó ó ó freguesia! Aqui é Poesia! Na Brasa, mano!

Bar do Carlita, na Vila Brasilândia, onde acontece, aos sábados, às 21h, o Sarau Poesia na Brasa...

Quente como veneno. É só se deixar invadir. Mantenha a mente aberta dando vazão à emoção. O coração tá nessa. Na ponta da caneta ou na voz desse povo da poesia. Vai sentir-se bem, mano.

Eita povo, mora! Não os conhecia. Aliás, os conhecia de nome. Sarau Poesia na Brasa. Um dia cheguei, mano.

Sabadão, meio da tarde, debandei do Campo Limpo num bus pra Paulista. Embalado e chapado da continuidade do ontem dormi e acordei só no Paraíso. A cabeça é que tava o inferno. Zoada, mano!

Refresco um sorvete e aos poucos a fumaça foi se dissipando. Embarcado estava no bus Vila Brasilândia seguindo o roteiro. Maior viagem, mano.

Mudando a paisagem, toda quebrada se parece. São Paulo tamanho medonho. Consumindo esquinas lembrei acadêmica colega de trabalho falando. A tradição negra lá é muito forte! Fiz a leitura. Branco na miúda. Nada disso, maior respeito, mano.

Me enturmando com a turma da zona norte no bar do Carlita. Oxalá me quer bem. Sempre tem algum poeta conhecido. Estamos com a máquina fotográfica em punga e uma bramosa pra assentar o espírito, mano.

E o tambor e o atabaque começam a fluir trazendo saudação:“Tambor, tambor vai buscar quem mora longe ‘...’ Ô meu tambor que é feito de couro e pau vai buscar todos poetas pra falar no meu sarau...”

Ao fim do recital, braços sobre ombros se alongam em redor. “Tambor, tambor vai levar quem mora longe ‘...’ Vai levar todos poetas que falaram no sarau...” É isso aí, mano. Pá de gente nova e magia de candomblé. O baguio pega e os versos exalam flor da pele.

Impressionado também fiquei quando retornei em julho pro aniversário de dois anos quando aconteceu o lançamento do segundo volume da antologia Poesia na Brasa. Fecharam a rua com o palanque. Até a velha guarda da Rosas de Ouro colou, mano.

Tudo feito no maior suor. Palco tem que buscar, montar, devolver, depois de vencer a canseira burocrática, você tá ligado. É correria de quem tem algo a dizer e corre pra tornar verdadeiro, mano.

E o relacionamento criado, embora novo, nos permitiu ocasionar a participação do coletivo na abertura da 21ª Bienal do Livro, no Anhembi.

Foi na van do motorista Tomoto, em 12 de agosto, quinta-feira, que da Vila Brasilândia acompanhamos parte da costumeira e semanal presença. Quatorze poetas ao todo. O bastante pra fazer maior eco, mano.

Elo de corrente a roda formada. A cantoria e o batuque soaram toda apresentação. Cada qual se lançando ao praticável armado de sua função. Não emudecer, jamais. Vozes aladas.

Alta pegada dos caras e das minas lá da Brasilândia, mano. Oxalá! Bendita seja a convivência!

II

Eu agora neste ensolarado domingão. Sem poder brejar. Sorvendo remédios por conta dumas berebas, na perna, explodida. É no que deu os vários graus, ao tempo, devidamente consumidos. E, antes que a pressão me imploda, temo. Dei um breque, mano.

Mas, machucado, sim, por outro motivo. Hoje, último dia da Bienal, decorridos onze saraus, fim da nossa incumbência. Não vou. Não vou arredar pé de casa. Tô p..., mora. Não tá no mapa da poesia o que me aconteceu. Te conto, mano.

Pô, quase quinze anos de andança na várzea; fotografando e escrevendo o futebol varzeano sudoeste. Fazendo matérias de saraus nos bares da quebrada. Percorrendo favelas, as bocadas da periferia, e nunca me sumiu uma pilha, mano.

Ontem, sábado, cheguei no estande da Fundação Volkswagem, local de nossa obrigação, cheio de entusiasmo em rever amigos e as poetas da Ademar. Camilas e decotes. Deslumbrei fotos maravilhosas, mano.

Depois de minha identificação pra adentrar o recinto. Vê; eu que ia trabalhar e estava usando crachá! Cumprimentei a todos. Instalavam-se os microfones, aquela passada no som. Louca cena que ainda procuro imaginar.

As pessoas foram andar ficando somente a produção, o segurança, a mina do lap top que dá um trampo comigo, sentada à entrada. Uma colega que estando só na platéia ouviu de mim, mano.

Olhe por minha mala, por favor; justificando minha ida ao banheiro.Gente a dar pro pau, andando. Aproveitei pra fumar um cigarro. Não deu dez minutos e voltei, mano.

Entrei e troquei a boa expectativa que me cercava por sentimento de desprezo de mim comigo, ao ver que a minha mala colocada atrás da poltrona juntamente com outras tantas, ela coberta com meu agasalho, havia sumido, mano.

O agasalho foi deixado no chão. Perguntas em vão. Ninguém viu, ninguém sabe. Busquei afora e dentro entre as histórias circulantes e livros estarrecidos com tudo o que se há de contar. Fiquei com a maior cara de mané, mano!

Eu, nego véio, de mil e uma paragens sub urbanas. Que nunca sentiu o desvio de uma pilha, agora ser lesionado em casa de bacana, mano.

Acusar não dá, antes, me acuso. Mas a negligência da produção é imperativa. Maior miguelagem, mano. Minha máquina fotográfica. As lentes, meu gravador. Equipamento de trabalho...

A coletânea completa das poesias de Mario de Andrade, que não era minha e vou ter de pagar outra. Meus poemas em soltas folhas impressas. O óculos escuro. Aí meu prejú material, mano.

Furtaram-me, mesmo que momentaneamente, o prazer de produzir imagens. Mas, Oxalá é mais! Não podem me roubar as palavras, a quem todos temos direito. E, desse assunto sofrido, a boca emudece, mano.

III

Já é segunda-feira e percorro lembranças pra terminar meu objetivo. Folheio o livro Poesia na Brasa onde procuro incendiar o entusiasmo aplacado. Escuta o que diz o coletivo, mano:

“Quem vê o nosso trabalho, imagina que chegar até aqui foi tarefa fácil, mas muitos desconhecem nossa caminhada, que ao longo do percurso teve várias conquistas, porém teve também vários trabalhos frustrados. Nestes dois anos foram muito mais pedras do que flores, porém aprendemos a pegar essas pedras e construir caminhos diferentes para nossas periferias, com o cheiro bom das poucas flores que recebemos...”

O eu em nóis é a chave da cadeia, mano. Essa é a real. Como é que pode uma Bienal do Livro não ter um estande dedicado aos poetas e escritores da periferia, cujos livros bancam?

Que as secretarias de culturas teimam em não reconhecer a literatura periférica como fato, hoje, transformante? Quando muito, esmolas em conta gotas. O poder é blague, mano.

Nos onze saraus apresentados na Fundação Volkswagen mais de uma centena de poetas declamadores, além de atores, músicos, marcaram ali presença. É pouco? Querem mais? É só abrir as trancas. É só abrir as trancas, mano. Ouça o que fala a Ana Carolina Teixeira Maria:

“E se a novela, a música, a dança – entre outros – mostram uma visão tão superficial e preconceituosa de questões como a etnia, de gênero, de opção sexual e de classe, resta aos espaços alternativos suscitar uma discussão que vá além das teorias acadêmicas, partindo das experiências de quem vive a realidade concreta. ‘...’ O propósito do Sarau não é a arte simplesmente pela arte, mas sim a arte que tem o objetivo de estimular um processo socioeducativo que alimente a luta e a resistência de um povo que não se segrega pautado nas diferenças de etnias, sexo, idade ou origem; mas que se reconhece enquanto classe!”

Recordações, aprendizagem. Ó ó ó freguesia! Aqui é poesia. Na brasa! Baguio louco, mano. Atente ao chamado:

“Tambor, tambor vai buscar quem mora longe
Tambor, tambor vai buscar quem mora longe
Ô meu tambor, que é feito de couro e pau
Vai buscar todos poetas pra falar no meu sarau
Vai buscar todos poetas pra falar no meu sarau...”


Michell da Silva, mais conhecido por Chellmí, é da Vila Brasilândia e faz parte do Coletivo Cultural Poesia na Brasa. Ao pé das imagens brota o seu poema...

A Verdadeira Roseira

Explosão na quadra, o grito de campeão ecoa

Euforia de rosas,

na cidade da tempestade e não mais da garoa

Não importava quem estivesse

com os dentes brilhando ou com sorriso banguelo

Naquele dia ninguém julgou

se você estava de tênis ou chinelo

A Brasilândia desceu o morro e tomou conta de novo

Mostrando que a melhor festa é feita pelo povo

Dezesseis anos na espera e o dia chegou

Apaixonados de uma só voz gritando que a campeã voltou

É a roseira embalada ao sabor do chocolate

Veio o bom samba tecido pelas mãos do mais belo alfaiate

A comunidade que sofre teve seu momento de felicidade

A quadra foi invadida pelo desabafo da humildade

Pra quem faz da sua camisa um manto e nunca sua farda

Um salve de coração à sublime velha guarda

Um furacão, ou melhor,

um tornado que comandou aquela bateria

Nota 50 que quem a acompanhou jamais a deixaria


Desfile digno de uma escola tradicional

Na última nota da apuração, emoção não tem igual

Depois de muito tempo foi redescoberto o tesouro

Hoje bato no peito e tenho orgulho de ser Rosas de Ouro.

Um comentário:

  1. Salve, salve mano véio.
    Poeta é poeta, mesmo quando em prosa, o bagulho soa poeticamente. Obrigado por semear e idéia junto com a gente, é disso que estamos falando desde do nosso primeiro contato com o Poiesis, o bagulho aqui, como em outra quebradas tem fundamento, tem que saber chegar, os tambores alinhado com as vozes, marcam ancestralidade, não entra no embalo dos nossos versos achando que é brincadeira, eles cortam cabeças clamando justiça, verso trovoada. Mano maior respeito pelo seu trabalho e sua pessoa, satisfação em conhece-lo, e com certeza continuaremos por muito tempo semeando e comungando a palavra ação.
    Sobre a máquina, rapidinho oxála bota outra no seu caminho.
    Fica na paz meu irmão e mais uma vez obrigado.
    Peço permissão para colocar seu texto em nosso blog.
    Axé.
    Vagner Souza.

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