segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Dente por dente

Na padaria no Largo do Taboão, um homem fala pro copa:

- Furaram os olhos dele. Antes de matar, furaram os olhos dele.

O relato tem a ver com o bárbaro crime acontecido no dia 18 de fevereiro, no Jd Record. O caso foi amplamente divulgado pela imprensa local.

Domingo sorridente. Vindos do Jd Salete, o pai leva família pra casa do amigo onde se festeja aniversário.

Despreocupados, adultos conversam. Fazem churrasco. Tomam cerveja.

Bolo, guaraná, balas de coco. As crianças brincam na rua.

Ninguém imagina que o mau as espreita. Ele, o perverso, está ali parado, observando...

Homem de trinta anos, que, segundo a matéria publicada, sobrevivera a uma emboscada, ano antes, quando levara oito tiros no Capão Redondo.

Estranho destino. É possível falar em destino?

Tratado e recuperado pela saúde pública, fugiu.

E veio aqui se instalar de favor num cômodo deixado por parentes.

Tem, da porta, atenção voltada pra menina de quatro anos.

A serpente se apresenta e atrai sua vítima. A pequena na malha cai.

Açougueiro de profissão, hábil no corte e manejo de facas.

Do anjo não se ouviu o rufar de asas. Nem grito ou gemido sequer.

Dada a falta sentida, a procura. A família vasculha casas e ruas.

O assassino é interpelado. Dissimula.Trêmulo andou e sumiu.

A polícia é chamada. A desconfiança indica direção. A porta é arrombada.

Busca-se vida! No entanto, sob a tampa do balde de plástico, jaz o corpo dobrado.

Facadas, ao menos três, e a espinha dorsal quebrada.

O policial, acostumado à violência, sentiu o drama:

- Cena horrível. Ela estava com os joelhinhos encostados na testa.

Qual ponto de apoio oferece compreensão ao desolado pai, diante de tal circunstância?

- Ai, o que foi feito da minha filhinha?

A voz exprime dor. Aflora revolta.

A multidão enfurecida queimou pertences e deitou tijolos pra que não haja ali mais pousada.

A morte mostra faceta cruel. Não quis em seu abrigo a demência. Deixou-a livre para subtrair do viver a inocência.

A polícia informada armou campana no lugar indicado.

Capturado com revólver de numeração raspada, o atroz confessou o crime.

Não deu motivo ou explicação pro estrupo.

Diz-se possuído pelo capeta. Alterado pelo consumo de crack.

Dirigi-me ao caixa e ainda ouvia o cidadão:

- Não durou nem dois dias na cela. Na cadeia tem bandido. Bandido tem filhos. Furaram os dois olhos dele. Antes de matar furaram os olhos dele...

Ao sorver o último gole de café, aquele senhor olhou pro teto, respirou fundo, e concluiu:

- A justiça do dente por dente está aplicada.

Marco Pezão